poesia não é uma inspiração momentânea sagrada, cuja escrita nunca deva ser alterada. não. já sabemos que os poetas mais famosos se deixaram ficar tempos e tempos buscando a palavra certa para o verso, para a rima; a palavra (que o poeta sabe existir) com a síntese completa do significado mais amplo para caber no verso. essa busca não se dá por vaidade ou algo do gênero, mas porque a poesia nada mais é do que a reflexão do poeta. e por vezes ele não chega onde gostaria, ou demora a chegar.
a poesia é uma inspiração nebulosa, que surge aos rompantes no pensamento. sabe-se que para pensar não usamos palavras e frases inteiras, mas fragmentos de ideias que bastam para nossa própria compreensão interna do momento. somente criamos frases quando falamos ou escrevemos, ou no uso de uma linguagem qualquer, para nos comunicarmos com outros.
difícil definir uma inspiração. é uma vaga ideia a respeito de algo. eu (porque sempre falo a partir de mim) escrevo para ordenar os pensamentos. por vezes, pego uma dessas inspirações (as mais latentes) e tento colocá-la no papel. a temática fica na minha cabeça, sei o que sinto e o que gostaria de passar para a escrita em relação a ela, mas não visualizo o poema em palavras, ainda ... somente a ideia central. colocada esta ideia central na escrita, o restante das palavras vêm no exercício de reflexão acerca do tema.
mas o importante a se dizer do poema, é o quanto ele me ajuda a pensar e resolver assuntos internos. e imagino que assim seja para todo e qualquer poeta. quando digo:
TENTATIVA DE SUICÍDIO
entrou na banheira e
cortou sua razão
- rente à pele
minha ideia inicial foi, em um momento de extrema tristeza, escrever sobre suicídio (o que por si só já seria terapêutico) ... partindo de uma temática negativa e pessimista, no decorrer da construção do poema, acabei elaborando que me suicidar era o mais irracional que poderia pensar ... e esta ideia foi a que prevaleceu na escrita de meu poema ... acho, inclusive, que saiu um poema positivo.
é isso que a poesia faz comigo, ajuda-me a elaborar (positivamente) minhas questões mais profundas. a prosa nem sempre me dá as devidas condições ou o tempo necessário para internalizar uma temática, como na poesia, que quando vinga, culmina na elaboração de uma nova síntese acerca do assunto.
o poema existe além e aquém da escrita; portanto, o poema nem sempre irá gerar algo escrito ...
entretanto, mesmo quando jogamos a ideia central de um poema no papel, pensamos a respeito, mas não conseguimos levar a escrita adiante, a reflexão estará feita. logo, o objetivo estará alcançado. a poesia ganhou. a poeta ganhou. por outro lado, assim que é escrito, o poema não tem mais nenhuma relação com seu criador. para ele existir terá que ser lido e refletido por outros, que o verão como poema, ou não. (mas essa questão daria um outro artigo, deixemos para outro dia)
enfim, poesia é síntese, antes de tudo.